quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Gratidão, mesmo? Obrigado:

Gratidão, agradecimento, agradecer; realizar o verbo que corresponde o reconhecimento de um feito, principalmente a quem reproduz o enunciado. Saber observar, olhar bem o feito virtuoso, quando se trata de uma resposta a um benefício que fizemos, mais ainda sobre uma graça alcançada, sim, seres humanos agem assim mais vezes do que parece. Identificar o bem quando é feito é uma das mais belas virtudes, onde o reconhecimento é público dando nomes a pessoas e circunstâncias, mais ainda quando é a prática rotineira de uma disposição íntima e intrínseca a personalidade, algo que flui como um rio em um circuito de: oferecer, dar, receber, agradecer e retribuir; circuito constituinte das relações humanas, as quais são condições de existência. Aqui as manifestações públicas de efusividade, demonstrações deste ato tornam-se cafonas e desrespeitosas; talvez pedantes ao se tretarem uma característica pessoal, de uma marca, um símbolo, uma energia que deve ser descrita visivelmente como uma estampa de camisa, como uma "TAG" social, um sinal que se ostenta.

Coisa nossa, de nossa época são as TAG's, aquelas palavras, frases ou termos que caracteriza qualquer coisa: personalidade, situação, um termo engraçado; é um tipo de meme descrito. Algo que não nos traz à raíz de nenhuma questão, contrário do que Sócrates fazia quando desafiava um estudante a conhecer a sí mesmo: pedia pra que este discorresse sobre a palavra atribuída a si mesmo, seu real significado e a que se aplica, pra poder fazer com que o discípulo avaliasse por conta própria se estava disposto a assumir as prerrogativas do que dizia sobre si mesmo. Dizem que Sócrates perguntava a quam se dizia corajoso: "explique-nos o que é coragem", e após entender que coragem não se trata somente de um sentimento o aluno saía ressabiado. Imagina se tivessemos a coragem de Sócates quando se fala a torto e a direita "Gratidão".

Desta forma, algo de nossa geração, o esvaziamento de uma palavra, uma disposição tão nobre é retrato de uma época qua vale mais ostentar do que ser, explicar sem sequer compreender. Época onde não se há tempo nem interesse de processar realidades, inclusive as boas, de desfrutar uns cinco mnutos a mais em momentos marcantes, uma pressa incompreensivel, uma falta de profundidade que só nos leva a morrer. Como já dito acima, falta-nos o costume de nos deixar afetar, de "empatizar", de "alterizar" e a partir daí observar como somos afetados positivamente, identificando minunciosamente o bem quando este nos alcança: em pessoas, seres vivos, circunstâncias, Deus. O reconhecimento de tudo isso, essa disposição imediatamente nos cala, pois a reação ainda está sendo elaborada enquanto a beleza do acontecimento que nos afeta é internalizado, a despeito da dor que este acontecimento possa nos causar. Sim, momentos difíceis também podem nos causar agradecimento.

É aqui que é possível que isso aconteça: nas injustiças, na frustração após o trabalho duro, quando não temos o retorno de uma boa ação, na insensibilidade alheia. Quem me conhece sabe que a romantização da dureza da vida não faz parte dos meu repertórios, compreendo bem a necessidade de olharmos com frieza as coisas que nos acontecem. Observarmos quem somos diante do absurdo, de quando a água pesa quando cai no estômago vazio, observarmos que disposição temos quando a saudade da família nos aperta e não podemos estar com os entes mais queridos, quando dinheiro nos falta de forma contínua. É saber identificar os algozes,e assim como Deus esquece nossos pecados, os esquecermos também, é reconhecer que não se perdeu a lucidez depois de semanas a fio sem dormir mesmo tomando regularmente calmantes. É olhar pra o passado e ver que em  situações piores a garra e resiliência, assim como agora, foram características que edificaram uma torre em cima de uma rocha.

É também saber que até quando os planos que deram errado por causa da irresponsabilidade, da maldade alheia ainda nos é responsabilidade. Outra coisa que aparece pouco no que chamam de "gratidão tóxica" é não reconhecer o benefício quando este é menor ao esforço feito para se ter, situação que acontece na maioria das vezes que nos é feito algo de bom. E porque isso acontece? Porque nestas horas olhamos mais pra quem nos retribui, do que para a nossa capacidade de nos empenhar no que acreditamos e, mais uma vez se perde a oportunidade de nos conhecer, assim deixando de usufruir do bem que é fazer o bem gratuitamente

Também desta forma temos a dificuldade de reconhecer quando recebemos algo bem maior que nossos esforços, e ainda dizemos: "gratidão" sem realmente identificar onde não nos empenhamos e confessar a quem nos oportunizou o benefício. Algo que acontece muito em relação a nossos pais (pouco se agradece ou se tem atitudes gratas a estes), em relação a nossos amigos e cônjuges, e principalmente a desconhecidos e subordinados; isso pra não falar dos anônimos que sem que saibamos nos fazem o bem só por existirem. É ingratidão também o não reconhecimento de privilégios, aqueles que temos quando nascemos principalmente: as heranças e fortunas, o bem estar de uma família que não passam por conflitos graves, a boa saúde, as capacidades aprendidas, a boa educação; tudo o que oportuniza vantagens concretas e depois de adultos dizemos "foi tudo por merecimento". Sim, a maioria das pessoas consideradas normais e que tem uma vida leve usufruiu de uma extensa rede de solidariedade a seu redor, no caso dos homens além da família, de forma marcante as mulheres que os cercaram, do nascimento a morte, da alimentação na boca a arrumação de um guarda-roupas. Somos as vezes rodeados e rodeadas de pessoas que são responsáveis por nossa existência, pra que tenhamos uma vida leve e escrevamos nas redes sociais "good vibes" e "gratidão".

E assim seguimos trocando sentimentos por realidades, GIF's por identificar pessoas. Para sermos o contrário disso, os convido pra ver nas injustiças que passamos a capacidade de nos associarmos a outras pessoas tomarmos soluções coletivas; ao ver que os resultados poucas vezes são desproporcionais aos nossos esforços e que isso é assim mesmo, que a vida é dura e o que nos resta é ver que nada nos abala o caráter; é ver a capacidade, ainda que residual, de fazermos o bem, de na fome jamais nos imaginar diante de uma pizza sozinho. De se perder na generosidade alheia, saber que reconhecimento é também identificar na ingratidão alheia a capacidade de fazer o bem gratuitamente. Mais ainda, saber que de sí mesmo bem algum é possível sem que uma rede de pessoas e circunstâncias nos foram ancestrais oportunizando-nos uma vida leve.


#gratidao não, obrigado a meus pais por terem me criado, dado educação, plenitude de vida, por me pouparem de certos traumas do mundo me enchendo de amor. Obrigado aos parentes que sempre estiveram perto quando precisei, obrigado aos meus amigos homens, que através do companherismo me deram forças e alegrias, obrigado às minhas queridas amigas mulheres que me ensinaram a ser homem, obrigado às pessoas desconhecidas que me alimentam, me transportam, levam minhas correspondências e realizam uma série de serviços que fazem minha vida mais confortável. Obrigado Deus pormanter em mim um bom caráter e também pela pessoa de Jesus Cristo, que através de sua vida e obra me ensina as virtudes que um ser humano precisa pra existir.

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

No fundo, a realidade que temos é a residual


       Diante de uma situação bastante pessoal, me pergunto como seriam certas coisas na vida se tudo desse errado, ou se a vida mudasse de rumo. Me refiro diretamente aos planos de trabalho numa sociedade onde toda atividade produtiva é submetida a necessidades financeiras; não a produção de vida, o que de fato o produto do trabalho realiza. Mas aos vínculos empregatícios e as carreiras decorrentes destes pra quem desenvolvem uma profissão: a progressão de salários e do status social de determinada ocupação, a construção de redes de solidariedade entre profissionais e com empresas, a sólida teia de parceiros em uma cidade ou região onde possibilidades profissionais são concretas de acordo com o reconhecimento construído enquanto profissional. O que se fazer quando tudo isso se desmorona? Independente da justeza dos acontecimentos, sabemos que a surpresa dos absurdos pode visitar qualquer pessoa. Pensando nisso eu trago estas questões. Como reagir? A que estamos dispostos mesmo quando acabam as cartas na manga? O que realmente temos (se é que temos alguma coisa nesta vida)? O que construímos em termos de conhecimento pra recomeçar? E o que fazemos com estas experiências? Como um homem com trinta e sete anos se sente ao ter que reorganizar toda sua vida? Quais meios dispõe? Quais disposições tem? E o que é capaz de fazer com estes meios?
       Pra ilustrar bem o que estou falando, vamos à realidade concreta. Pra maioria das pessoas, o ano de 2019 foi um ano muito difícil, dentre outros motivos, especialmente no que se refere a questões materiais, possibilidades financeiras, revezes no ambiente do trabalho por causa disto, e de forma geral as cotidianas surpresas no espectro político, nacional e internacional. Para os analistas das diversas áreas, este ano foi o de grandes revelações, onde identificamos crises diversas bem como suas causas. Mas como homem prático que sou, revelações não pagam contas. Por mais analítico que eu seja, introspectivo sobre tudo o que passa ao meu redor, também tentei tirar elementos concretos de onde eu pudesse melhorar minha condições materiais, me vi em uma grande crise, inclusive uma das maiores da minha vida, afetando portanto em outras áreas da vida.
       Fato é que esse ano que se passou nos revelou muita coisa, trouxe muita crise e ainda que não tenha impactado pessoalmente algumas pessoas, o contexto político foi e está sendo bastante desalentador. Comigo não está sendo diferente. A instituição de nível superior onde trabalho, que é parte de um grupo regional tem tido através de seus mantenedores e coordenações posturas profissionais bastante desalentadoras, equivalentes ao cenário político, algo que se realiza na prática ao que foi mencionado no primeiro parágrafo. Onde oportunidades de desenvolvimento profissional não são vislumbradas, além de recorrentes perdas em carga horária em classe e por conseguinte perdas salariais. O ambiente tem se tornado difícil e em algumas situações intragável. Um contexto onde os profissionais poderiam buscar seus direitos, mas não o fazem porque precisam manter o vínculo empregatício e mesmo que se desvinculem-se o façam sem sofrer retaliações da instituição de trabalho, concretamente refiro-me a uma imagem negativa que pode estar associado por buscar legitimamente seus direitos, por recorrer às vias de fato nos termos da lei. Tememos a proscrição a partir da instituição da qual evadiu sob o estigma de “profissional problemático”, do tipo que “põe no pau”, termo bem característico de Salvador.
       Diante de tudo isso considero de fato a postura dos colgas, pais de família em sua maioria, quando não os que estão constituindo patrimônio, fazendo nome na cidade, fortalecendo seu “network” na cidade. Imediatamente não os julgo, pois sem refletir nem pensar como atualmente penso, me vi preso a essas engrenagens de exploração de vidas. Digo isto porque nas vias de fato de além de perder o emprego, ainda que mantenham vínculos em outas IES (instituições de ensino superior) ou empresas, ou mesmo tendo os encargos de uma rescisão indireta (isso mesmo, procurem no Google pra saber do que se trata; tive um trabalho enorme pra descobrir, não vou entregar uma informação dessa de mão beijada pra vocês); os colegas teriam que amargar a já citada pecha de “profissional que põe no pau”. E assim portanto ter que se manter como que o mercado de trabalho oferecer pra se sustentar.
       Conforme já dito acima, não considero justo nenhum tipo de julgamento aos profissionais que tanto fazem pelas IES privadas e pelo país através da educação. Mas o que estes donos de empresa fazem é um enorme desrespeito. Temos cotidianamente nossa dignidade colocada em questão, se não através dos pequenos acordos pra manter uma boa carga horária, pela nossa própria consciência que nos lembra do sonhos que tínhamos na graduação: a liberdade de cátedra e seus louros, o aprofundamento nas questões de sociedade que sabemos ser essenciais para compreensão de problemas estruturais em nosso país, e as possibilidades de intervenção direta nas necessidades estratégicas da região e do país. Tudo isso passando longe da nossa realidade de professores de IES privadas que pouco se importam essas tais necessidades, por mais reais que sejam. Fato é que diante de tudo, sempre perguntamos o que fazer com tudo isso e o que realmente somos como profissionais. Qual é nossa utilidade enquanto profissionais?
       Realmente este ano que passou foi muito difícil. Mas se algo de bom pude aproveitar foi a difícil reflexão sobre as duras provas que passei, sobre as oportunidades que podemos usufruir deste contexto. Concluo depois de noites sem sono, crises depressivas e de ansiedade patológica, depois de descobrir que de fato, de forma concreta, o que temos em vínculos empregatícios e bens materiais são coisas bastante escorregadias, salvo raríssimas exceções (herança de família e riquezas ancestrais decorrentes disso, ou sólida carreira pública). Depois de ter em quase todos os meses deste ano atrasos no pagamento, amargando intervalos de completa falta de recursos e todos os inconvenientes trazidos à tiracolo pela falta de grana, foi preciso pensar em outros meios de subsistência. Mas mesmo assim não posso dizer que a descoberta de tais alternativas foi constituída de folgas emocionais ou de um leque de possibilidades que a vida me deu; mas da desconfortável descoberta que minha dignidade se manteve diante de tantos revezes, diante de tantas imposturas que tive que conviver nestes anos. Tendo que repetidas vezes me contentar em manter pra mim mesmo a satisfação em ver o desabrochar das descobertas dos estudantes, ver o brilho nos olhos a liberdade que o conhecimentos os trazia. Nada mais que isso. Ver o enorme potencial de alguns se perdendo nas malandragens burocráticas e vícios que as engrenagens que o mercado de trabalho impõem aos que perdem seus sonhos acadêmicos. Sim, pois o encanto inicial que se tem na graduação por parte dos estudantes se perde na mediocridade das limitações nas avaliações, da recorrente negação de recursos para pesquisas de campo ou grupos de pesquisa (negação não, impossibilidade mesmo). Tudo isso se arrefece ao ponto de nem lembrar mais da beleza do convívio na faculdade alguns alunos ter mais.
       Depois desta divagação, é claro que eu não ia esquecer do que interessa nessa conversa que adentra a madrugada, afinal, o sol já começa a lançar seus raios. Em meio a dor e a privação me vejo com algo que a maioria dos colegas não tem, a possibilidade de real escolha. O tipo de escolha que se impõe às negações do mercado, ao preterimento corporativo que as empresas concorrentes fazem aos profissionais que optam pela liberdade, que jamais negociam sua dignidade. Me refiro a coragem de enfrentar uma IES privada recomeçar tudo de novo em outro ramo de atividade ou em outra cidade, coragem de aprender outra profissão ou aprender um idioma. A coragem e a disposição pra se refazer depois ter sua reputação manchada por buscar melhores oportunidades, por crer que posso mais, ainda que precise começar tudo de novo. Saber que nada tenho e que quando tenho algo tratam-se de materialidades escorregadias. Isso me fez ver o valor do conhecimento acumulado nos idos poucos seis anos entre a graduação e o mestrado, e os seis anos de prática docente, que não obstante a isso, os motivos já estão bem nítidos, é preciso continuar na busca pelo conhecimento.
       A gente descobre que é livre quando sabe que pode começar de novo depois de perder tudo, conforme dito de forma indireta acima. É libertador descobrir que as possibilidades existem exatamente quando nada se tem, quando a disposição se fortalece justamente por isso; pois quando se crê que as possibilidades se revelam no conforto da crença de uma pretensa segurança, nada mais se trata de uma falsa sensação de liberdade, onde só podemos usufruir das migalhas que o mercado nos dá. Admito que realmente é muito difícil usufruir do que a vida nos dá a despeito das imposições do mercado: das marcantes experiências pessoais, do conhecimento profundo, das reais possibilidades de escolha e de manter a dignidade quando o absurdo nos invade. Mas não viver sob esta perspectiva é adoecedor, é frustrante; nos faz eternos debitantes das dependências que mediocridades cotidianas nos lucram, ou de sorrisos amarelos que temos a oferecer, das contínuas indigestões emocionais que temos pelos sapos que temos que engolir, pela contínua ressaca da cachaça de graça que temos que engolir. Dizer “Deus lhe pague” por tudo isso é ensandecedor. Refazer a vida diante de tudo isso é libertador!
       Diante de tudo isso vejo e entendo o porque quase não se fala da responsabilidade da profunda dor que viver a liberdade traz. Das várias versões de si mesmo que temos que elaborar diante das possibilidades que falsamente nos propões em troca de um “Deus lhe pague”, por um “gratidão!” e todas as pavorosas falas e frases de efeitos que inventamos pra nos adoecer e estar bem com nossos algozes. Somente a fé em Deus que nos liberta, que dolorosamente nos lembra do nada que somos nos faz capazes de tirar leite de pedra (ou água da rocha). É o que nos faz capaz de nos movermos não somente pela nossa dignidade individual, ou pelos nossos méritos, mas pela dignidade humana. É a fé em Deus que nos emancipa, que destrona os deuses do dinheiro e do mercado, que nos relembra que é somente pela morte que podemos ressuscitar pra começar tudo de novo.

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Fome ou sobrevivência II

Quem me conhece sabe que em certas coisas jamais perco tempo, não nas coisas que a maioria das pessoas sempre estão atentas, mas naquelas de onde me provocam em profundidade, naquelas que me furtam de momentos de distração, as que emergem do sexto sentido, geralmente no que me dói e em todas as situações que me fazem colocar em questão a existência os significados. A tristza, a angústia, o luto, a ressaca, o desespero; justamente esse é o fruto da minha atenção, despropositadamente é aí que que se concentra minha atenção. A separação, a morte dos meus pais, o desemprego, a falta de dinheiro, a fome. É por isso que a sobrevivência pra mim não se manifesta como resíduo de uma vida que se perdeu em dignidade, mas como realidade consistente, não como conjuntura, mas como constituinte, pois viver com o que causa desespero a maioria das pessoas é sobrevivência, mas quando esta é cotidiana passa ser a vida.

Diante disto, não posso negar o cotidiano de um aprofundamento em mim mesmo, a consolidação de uma personalidade forte e convicções vigorosas, pois é com muita dor que dou meus passos, com sensação de areia nos olhos que vejo o mundo e comichão nos ouvidos interpreto o que se sucede diante de mim. Não me refiro a depressão ou a ansiedade que convivem comigo, mas a problemas concretos. Me sinto como Sísifo que rola uma grande pedra numa enorme montanha e ao final do seu trabalho vê a pedra descendo montanha abaixo, ofício que se repete eternamente.

Neste momento me encontro desconsertado com uma sensação semelhante a que tinha quando criança: de inoportunidade pela minha presença diante das pessoas, pródigo de presença que me acompanhe. Nas casas de amigos e amigas, presente em brincadeiras e conversas, nas confidências das meninas. Sim, com o sentimento de estar sendo inoportuno, intrometido, sem nada a oferecer além da própria presença que quando requsitada ter sido por pena. Um estigma que luto desde a infância, mas que enquanto adulto ainda procuro saber se ainda existe e apavorado por ver que é verdade.

Trata-se da tristeza de conviver com a solidão diáriamente, contando somente com a companhia do meu cachorro caramelo. Nos pavores dos domingos solitários, no desespero das insônias irrazapínicas. De semanas a fio, por não querer estar só e com fome acompanhar avaliações de TCC. As tardes e noites de trabalho gratuito, orientações despropositadas, conversas fiadas com porteiros. Uma busca que nunca dá em nada, um buraco negro escavado esfomeado como o rei de Tessália; o medo de ser "o carente", "o inconveniente".

Considerando estas experiências compreendo quando o autor do Cohelet bíblico se pergunta se há sentido numa vida em que não se há para que ou por quem trabalhar. Estudo, conhecimento, sem poder simplesmente matar a fome ou com quem dividir uma pizza. O cansaço de planejar na mente refeições com sabor de companhia, as risadas pela visita ter repetido o prato. Será que algum dia terei essa alegria? Pra mim essa sobrevivência tem sido a vida.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Fome ou sobrevivência

Uma coisa tem que ficar bem evidente aqui, já é quase automática a decisão diária de ao dar 17:30h me arrumar e dar aulas. É uma das poucas coisas que me faz não esquecer que tô vivo, que estou ligado a alguma coisa. O que faz parecer que uma vida vibrante é o que me move e que sou o mais sólido dos minerais. Que o compromisso com o trabalho e a paixão pelo saber e suas trocas revelam o tônus de toda minha vida; como se esta fosse a plena realização de paixões. Algo que parece esconder em algum lugar dentro de mim certa efusividade.

Mas secretamente, cotidianamente a questão do que é ser humano me tortura, me revolve por eu insistentemente não conseguir dormir, dias, semanas, meses. Uma solidão que apavora, um sentimento de despertencimento constante. Algo que é somado a constante falta de grana (outra coisa que nos faz questionar nossa própria humanidade), pois na maioria das oportunidades
 que aparecem pra estar com outras pessoas, se necessita de pelo menos ter o do deslocamento, ou pra ajudar na conta.

Confesso que já não tô suportando mais, não sei até onde aguento, por isso voltei aqui. Mesmo com altas titulações, sendo professor no ensino superior, algo que sempre sonhei, me deparei em uma situação em que todos os meses deste ano me vi com pelo menos uma das contas atrasada; no limite da falta do que comer, pedindo dinheiro emprestado todos os meses, sim todos os meses pois estava com a última refeição, a vergonha de parecer que está na minha testa que estou com fome. Sim, fome, a pior sensação que uma pessoa pode ter além da perda de um ente querido. E isso não é simplesmente pela falta de emprego ou propriamente de dinheiro, mas de me ver envolto em problemas financeiros característicos de uma estrutura captalista.

Tudo isto somado aos problemas familiares, na maioria das vezes por falta dos meus pais para redirecionar os ânimos dos meus irmãos, minha tia e dos meus ânimos. A falta de ter onde se ancorar, a sensação de descobrir a realidade de que no fundo estamos sós: eu, meu caráter e minhas disposições. Situações que me fazem sentir que nada mais tenho além da capacidade de contabilizar o desperdício que sou por existir, de depender por exemplo, da boa vontade de pessoas ricas nos pagar o que nos deve.

Diante de tudo isso e de muitas outras coisas acordo todos os dias perguntando a Deus porque acordei, conviver cotidianamente com a anedonia e a ansiedade que a fome traz. Torcer que pra ser convidado pra almoçar nos finais de semana. Assim vão passando os dias e as noites. Ficar tanto tempo sem dormir ao ponto de o corpo não mais suportar e dormir durante quatro horas, acordando cansado novamente. Viver contantemente irritado, esgotado emocionalmente, sentindo como se nada pudesse oferecer a ninguém. Viver sempre com vergonha, uma vontade constante de não mais existir.

Diante disso tudo, confesso que minha mente ainda ferve, todos os sentimentos bons, toda possibilidade transformadora, todo desejo de florescer onde eu vou, mas nada que consiga superar o cnasaço constante, nada que consiga driblar o desespero de não ter o que comer, de só ter uma refeiçao por dia, de permanecer mais tempo na cama, de tentar me manter dormecido por mais tempo possível pra esquecer a fome. De mais uma vez acordar e perguntar a Deus porque acordei.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Nudez que niguém aprisiona



A voz é sorridente, apesar de não ser possível discernir se é uma agradável sonolência, ou se é a doçura de ser que a faz escorrer assim:límpida e transparente,como o espaço entre os peixes que o translúcido do vidro nos faz a ver assim. Ou pela beleza que se traduz em não simplesmente por ser erótica, mas por trazer alma, parindo e aleitando alegria criança: menina crespa em beleza crua que as outras mulheres maquia.
Mesmo que alguma falta não a faça plena, o ser assim como é a faz completa. Ser quem se é já basta, opiniões não a define, padrões nunca a enquadra. Ela segue assim: única, despida do alheio, entregue a si mesma. E assim ninguém a aprisiona. Ela escolhe o quê e quem ela quer. Os sentimentos por serem dela a torna assimétrica ao resto do mundo, pois a outras versões, as outras narrativas sobre ela sempre são alheias; parece que nada que falam sobre essa preta a diz respeito.
No entanto, mesmo não sendo unívoca, o que a constitui me intriga. Mesmo sem saber explicar, compreender, me intriga. Onde ela é, o que ela está, como ela fica, pra quê ela faz. Só o que me resta é uma curiosidade que me afronta, um desafio que me torna; o poder dela não me assombra, pois a desnudez que me constitui sempre me arma, me evolui quando me desarna. Admito que até desmamo quando quando descrevo, e enquanto a descrevo não me surpreendo como ela me revela: ainda na capacidade de ver coisas belas em aquários, caranguejos, criança, beleza-nua-Luna, é a surpresa de, em mim se ver melhor.

terça-feira, 3 de abril de 2018

Carta a Carlos, um querido desconhecido.


Esta história é uma resposta a um rapaz que passou por algumas perdas e decepções. Faz parte da sessão "mentoria" do site Papo de Homem.
Entao, vamos lá!



Boa tarde Carlos.

Meu nome é Eduardo, tenho 35 anos e sou professor universitário.

Passei por algo que de certa forma é muito parecido com sua experiência.
Pra resumir, entre 2013 e 2015, após o fim do mestrado e desempregado, minha irmã foi diagnosticada com câncer (pela segunda vez), a esposa que eu tinha na época resolveu terminar o casamento e meu pai foi diagnosticado com câncer de próstata. Depois disso, ainda nesse ano de 2015 amarguei a priemira grande crise de depressão, pois os acontecimentos que falei foram o gatilho que desencadeou o processo depressivo. E pra piorar eu estava em outro estado, onde eu havia feito mestrado. Eu achava que nada de pior poderia acontecer.

No ano seguinte, eu consegui um emprego como professor universitário no estado onde nasci, mas não na cidade onde sempre morei. Foi muito bom estar perto da minha família, no entato eu acompanhei de perto parte do tratamento do meu pai contra o câncer que já era bastante avançado. Mesmo vendo minha irmã se recuperar da doença dela, nós já sabíamos que o processo do meu pai já estava bastante avançado, era só uma questão de tempo. Não foi fácil ver meu pai e minha única irmã mulher recebendo quimioterapia numa mesma sessão. Sim, as vezes ela o levava pra sessões de quimioterapia e os dois fizeram o tratamento juntos.

No entanto voltei pra o estado onde fui criado sabendo que o processo depressivo havia me preparado ṕra coisas piores que poderiam acontecer, e foi exatamente assim que aconteceu, meu pai faleceu em julho de 2016. Logo depois, minha mãe que acompanhou todo o processo de perto, após a perda de meu pai foi se enfraquecendo emocionalmente e fisicamente, vindo a falecer no ano seguinte, em agosto do ano passado.

Perder meus pais, em especial a minha mãe, que sempre foi meu principal referencial de ser humano foi como se eu tivesse perdido toda a minha famĺia, e agora sinto como se eu estivesse sozinho no mundo, como se agora sim eu estivesse sendo responsável pela minha vida, que todas as experiencias emocionais daqui pra frente terei que enfrentar sozinho.

Atualmente convivo com a depressão, me submeto a terapia, e acompanho minha irmã que mais uma vez conseguiu se recuperar do cancer, mas ainda sofre de suas sequelas. Ela continua sendo minha grande companhia e inspiração enquanto mulher e pessoa (sobre ela teríamos outra grande história pra contar).

O que posso dizer diante de tudo isso, e considerando sua experiencia, é a primeira coisa que você não pode é deixar de pedir ajuda, pedir ajuda aquelas pessoas que voce sabe que pode contar. Outra coisa (que eu aprendi da da forma maios difícil possivel), não ficar especulando o porquê de a mulher que estava ao seu lado ter decidido partir, isso só vai mascarar a verdadeira dor que está sentindo. Nunca esqueça dos seus valores e do caráter que você tem. E pra finalizar, você quando decidiu trabalhar com Uber fez uma excelente escolha; essa atitude de fazer o que aparecesse pra dar conta de suas necessidades finaceiras pode ser o começo da sua reestabilização emocional.

Concluindo, eu não poderia deixar dizer com base em minha experiência que, a vida e o nosso caráter é feito de nossas decepções, dos nossos traumas, das perdas que vamos tendo pelo caminho, bem como do que fazemos dessas experiencias. A grande esperança que devemos cultivar é à partir do caráter que temos, assim, mesmo que percamos tudo: amigos, família, emprego, esposa, nada disso vai colocar em questão seu valor.

Espero que esse textão tenha ajudado em alguma coisa.

Ps. Atualmente continuo como professor universitário e estou desenvolvendo um projeto sobre masculidades e depressão como estudos pro doutorado em antropologia (tomara que o projeto seja aceito!)

Um caloroso abraço!

Ps. Carlos é um nome fictício.