quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Gratidão, mesmo? Obrigado:

Gratidão, agradecimento, agradecer; realizar o verbo que corresponde o reconhecimento de um feito, principalmente a quem reproduz o enunciado. Saber observar, olhar bem o feito virtuoso, quando se trata de uma resposta a um benefício que fizemos, mais ainda sobre uma graça alcançada, sim, seres humanos agem assim mais vezes do que parece. Identificar o bem quando é feito é uma das mais belas virtudes, onde o reconhecimento é público dando nomes a pessoas e circunstâncias, mais ainda quando é a prática rotineira de uma disposição íntima e intrínseca a personalidade, algo que flui como um rio em um circuito de: oferecer, dar, receber, agradecer e retribuir; circuito constituinte das relações humanas, as quais são condições de existência. Aqui as manifestações públicas de efusividade, demonstrações deste ato tornam-se cafonas e desrespeitosas; talvez pedantes ao se tretarem uma característica pessoal, de uma marca, um símbolo, uma energia que deve ser descrita visivelmente como uma estampa de camisa, como uma "TAG" social, um sinal que se ostenta.

Coisa nossa, de nossa época são as TAG's, aquelas palavras, frases ou termos que caracteriza qualquer coisa: personalidade, situação, um termo engraçado; é um tipo de meme descrito. Algo que não nos traz à raíz de nenhuma questão, contrário do que Sócrates fazia quando desafiava um estudante a conhecer a sí mesmo: pedia pra que este discorresse sobre a palavra atribuída a si mesmo, seu real significado e a que se aplica, pra poder fazer com que o discípulo avaliasse por conta própria se estava disposto a assumir as prerrogativas do que dizia sobre si mesmo. Dizem que Sócrates perguntava a quam se dizia corajoso: "explique-nos o que é coragem", e após entender que coragem não se trata somente de um sentimento o aluno saía ressabiado. Imagina se tivessemos a coragem de Sócates quando se fala a torto e a direita "Gratidão".

Desta forma, algo de nossa geração, o esvaziamento de uma palavra, uma disposição tão nobre é retrato de uma época qua vale mais ostentar do que ser, explicar sem sequer compreender. Época onde não se há tempo nem interesse de processar realidades, inclusive as boas, de desfrutar uns cinco mnutos a mais em momentos marcantes, uma pressa incompreensivel, uma falta de profundidade que só nos leva a morrer. Como já dito acima, falta-nos o costume de nos deixar afetar, de "empatizar", de "alterizar" e a partir daí observar como somos afetados positivamente, identificando minunciosamente o bem quando este nos alcança: em pessoas, seres vivos, circunstâncias, Deus. O reconhecimento de tudo isso, essa disposição imediatamente nos cala, pois a reação ainda está sendo elaborada enquanto a beleza do acontecimento que nos afeta é internalizado, a despeito da dor que este acontecimento possa nos causar. Sim, momentos difíceis também podem nos causar agradecimento.

É aqui que é possível que isso aconteça: nas injustiças, na frustração após o trabalho duro, quando não temos o retorno de uma boa ação, na insensibilidade alheia. Quem me conhece sabe que a romantização da dureza da vida não faz parte dos meu repertórios, compreendo bem a necessidade de olharmos com frieza as coisas que nos acontecem. Observarmos quem somos diante do absurdo, de quando a água pesa quando cai no estômago vazio, observarmos que disposição temos quando a saudade da família nos aperta e não podemos estar com os entes mais queridos, quando dinheiro nos falta de forma contínua. É saber identificar os algozes,e assim como Deus esquece nossos pecados, os esquecermos também, é reconhecer que não se perdeu a lucidez depois de semanas a fio sem dormir mesmo tomando regularmente calmantes. É olhar pra o passado e ver que em  situações piores a garra e resiliência, assim como agora, foram características que edificaram uma torre em cima de uma rocha.

É também saber que até quando os planos que deram errado por causa da irresponsabilidade, da maldade alheia ainda nos é responsabilidade. Outra coisa que aparece pouco no que chamam de "gratidão tóxica" é não reconhecer o benefício quando este é menor ao esforço feito para se ter, situação que acontece na maioria das vezes que nos é feito algo de bom. E porque isso acontece? Porque nestas horas olhamos mais pra quem nos retribui, do que para a nossa capacidade de nos empenhar no que acreditamos e, mais uma vez se perde a oportunidade de nos conhecer, assim deixando de usufruir do bem que é fazer o bem gratuitamente

Também desta forma temos a dificuldade de reconhecer quando recebemos algo bem maior que nossos esforços, e ainda dizemos: "gratidão" sem realmente identificar onde não nos empenhamos e confessar a quem nos oportunizou o benefício. Algo que acontece muito em relação a nossos pais (pouco se agradece ou se tem atitudes gratas a estes), em relação a nossos amigos e cônjuges, e principalmente a desconhecidos e subordinados; isso pra não falar dos anônimos que sem que saibamos nos fazem o bem só por existirem. É ingratidão também o não reconhecimento de privilégios, aqueles que temos quando nascemos principalmente: as heranças e fortunas, o bem estar de uma família que não passam por conflitos graves, a boa saúde, as capacidades aprendidas, a boa educação; tudo o que oportuniza vantagens concretas e depois de adultos dizemos "foi tudo por merecimento". Sim, a maioria das pessoas consideradas normais e que tem uma vida leve usufruiu de uma extensa rede de solidariedade a seu redor, no caso dos homens além da família, de forma marcante as mulheres que os cercaram, do nascimento a morte, da alimentação na boca a arrumação de um guarda-roupas. Somos as vezes rodeados e rodeadas de pessoas que são responsáveis por nossa existência, pra que tenhamos uma vida leve e escrevamos nas redes sociais "good vibes" e "gratidão".

E assim seguimos trocando sentimentos por realidades, GIF's por identificar pessoas. Para sermos o contrário disso, os convido pra ver nas injustiças que passamos a capacidade de nos associarmos a outras pessoas tomarmos soluções coletivas; ao ver que os resultados poucas vezes são desproporcionais aos nossos esforços e que isso é assim mesmo, que a vida é dura e o que nos resta é ver que nada nos abala o caráter; é ver a capacidade, ainda que residual, de fazermos o bem, de na fome jamais nos imaginar diante de uma pizza sozinho. De se perder na generosidade alheia, saber que reconhecimento é também identificar na ingratidão alheia a capacidade de fazer o bem gratuitamente. Mais ainda, saber que de sí mesmo bem algum é possível sem que uma rede de pessoas e circunstâncias nos foram ancestrais oportunizando-nos uma vida leve.


#gratidao não, obrigado a meus pais por terem me criado, dado educação, plenitude de vida, por me pouparem de certos traumas do mundo me enchendo de amor. Obrigado aos parentes que sempre estiveram perto quando precisei, obrigado aos meus amigos homens, que através do companherismo me deram forças e alegrias, obrigado às minhas queridas amigas mulheres que me ensinaram a ser homem, obrigado às pessoas desconhecidas que me alimentam, me transportam, levam minhas correspondências e realizam uma série de serviços que fazem minha vida mais confortável. Obrigado Deus pormanter em mim um bom caráter e também pela pessoa de Jesus Cristo, que através de sua vida e obra me ensina as virtudes que um ser humano precisa pra existir.

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