Eu estava
em casa, alisava a gata, fazia comida.
As
alunas me ouviam, me arengavam quando me chegava a noite.
Eu
cuidava dela quando chegava do trabalho.
A mim não
dava muito valor, não via problemas.
Ela me
incomodava com seus aperreios, deixava que os cães me dilascerassem.
Minha
pele estava blindada de bronze, minha surdez me protegia.
Aos
poucos, meus joelhos não mais se desdobravam.
Me
acostumei em frente as telas, as incorporei.
As
estacas cravadas em meus ouvidos escorregavam, ela não martelava
mais, mas era quem mais sofria.
Ouvido e
cérebro se tornaram uma coisa só:
gangrena
e carcinoma.
Os vermes
passeavam, não minhocas.
Contudo,
nada doía. O espelho sempre me deixava belo.
Eu achava
que só precisava de banho e oferecer moquecas.
O meu
carinho a irritava. A ignorância me doía.
A vida se
arrastava, o que mais amava se ia.
A dor em
mim não doía.
De
repente ela se foi. Só fiquei com a dor.
O
carcinoma afetava meus nervos.
O que era
pior, a dor ou anestesiamento?
Não, não
consegui me ver. Deus me abandonara.
Tirou-me
de mim e o que vivia.
Senti um
corte do tamanho de um palmo em minha nuca.
Senhor,
tu penetraste tuas mãos de fogo nos meus ombros
E
arrancaste de uma só vez toda a pele das minhas costas!
De uma só
vez arrancou-me o couro e os cabelos da minha cabeça.
Tu
descarnaste-me na frente dos meus amigos.
Todos
vêem a brancura dos meus ossos.
Meu
sangue enxarcou o apartamento.
Nem sinto
mais a dor. Não vejo mais esperança.
Mas tu,
de longe me observa. Espera que as feridas cicatrizem.
Agora
vejo carne cobrindo meus ossos, não vejo vermes.
Mesmo que
ao me mover a pele sangre, ela se recupera.
Tu,
desgraçadamente põe sal em meu corpo.
E quando
eu reclamo, o Senhor mergulha-me no mar.
Não
importa o quanto eu urre de dor.
Eu sei
que o que me resta é a vida.
Pois o
que eu mais temia o Senhor me fez sofrer.
E ao mais
me aterrorizava, tu me confrntaste.
Só me
sinto vivo porque tume deste a dor como vida.
Seja pra
que lado eu me mova, minha carne racha e o sangue escorre.
Tu
zombeteiramente me pôs de frente ao espelho, justamente eu que nunca
me via, nunca quis me ver.
Sempre
fui ébano, cabelos de lã, dentes de marfim.
Mãos de
vó para a cozinha.
A alegria
dos amigos, dos alunos, do mundo afora.
Mesmo
assim, ainda insisto em me mover freneticamente pra não me olhar no
espelho,
Ainda que
os sulcos de carme me ardam.
Porque
não escutei o aperreio?
Porque só
me via pelas cascas?
Agora só
me resta a visão subcutânea.
Eu só
sei que a vida ainda me resta, pois a morte não vem.
Será que
amanhã esterei mai ferido que hoje?
Vou
conseguir olhar pro espelho que o Senhor me deu por tortura como
salvação?
Os tonéis
de sal me esperam, a cura vai ser dolorosa.
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