Roberto
Carlos e Maria Bethânia são artistas que cantam coisas pra gente
grande, madura, que passou por experiências, que viveu realidades.
Quando
criança via minha mãe, meu pai, minha irmã ouvindo estes artistas.
Via altas conversas ao pé da radiola que ficava na estante de
madeira, e duas caixas de som que ficavam no alto desta estante.
Ah,
quando criança, na mania de pirotecnia, queimei uma caixa de som,
todo mundo que chegava em casa e via a caixa de som sem a telinha de
proteção preta perguntava o porquê de não estar ali. Meus pais
contavam a mesma história: "Eduardo queimou!" História
que posso contar depois.
Então,
enquanto brincava, via os adultos ao pé da radiola ouvindo música
de gente grande. Estas músicas sempre me traziam a sensação de
feriado, tios e tias em casa, vizinhos gente boa, gente grande que
brincava comigo, comida gostosa. Mesmo sendo música, era coisa
séria.
Na
adolescência, a sensação permaneceu a mesma quando ouvia essas
músicas de gente grande, mesmo depois que botaram na minha cabeça a
absurda ideia de que ouvir essas músicas não era coisa de um bom
cristão; quando cresci mais vi que não era bem assim (outra
história que posso contar depois). Na verdade sempre soube que
artistas como Roberto e Bethânia cantava coisas sobre a vida e o
amor.
Na
juventude, que parece que nunca vai acabar, comecei a ver artistas
assim de outra forma, via com sua poesia e tal. Nesta fase já sabia
que Deus nos deu criatividade pra poetizar tudo, ele fala por vozes
surpreendentes. Ali eu via poesia e principalmente a primorosa
interpretação de Bethânia. Achava lindo, entendia mas não em sua
profundidade.
As
músicas com o Roberto mesmo, até então só me traziam à memória
as cenas da infância, as com a Bethânia, além da memória, trazia
a imagem da minha irmã fazendo faxina enquanto ouvia na radiola que
tinha a caixa de som queimada. Mesmo já estando na faculdade os
aportes sobre vida em sociedade não me permitiam chegar no cerne do
que estes adultos diziam. Via contexto de repressão na produção de
algumas músicas, o excelente momento artístico que permeava as
décadas 60 e 70, elementos da brasilidade (assunto perigoso entre os
antropólogos) e coisas não menos importantes que o que estes
artistas queria dizer na verdade.
Fui
crescendo e vendo que as coisas das quais estas pessoas falavam em
suas músicas cabiam exatamente com situações por que pessoas
vividas passavam. À media em que amadurecia via que o que ligava os
adultos às coisas que estes artistas diziam era suas próprias
experiências de vida.
Ainda
sinto a mesma sensação ouvindo Roberto e Bethânia, bem como outros
e outras artistas que meus pais, tios e irmãos mais velhos ouviam
quando que era criança. "as músicas que gente grande ouve e
fica conversando". Mas as experiências amadurecedoras criaram
uma relação com os adultos que eu observava, passei a viver a
realidade de gente madura. Construir relacionamentos significativos
em todas suas consequências: amizades, relações de trabalho,
dilemas sociais, traumas que levamos pro resto da vida, consequências
de escolhas que tivemos, um grande e verdadeiro amor. As dores e
alegrias que isso causa.
As
tensões de relacionamentos profundos, bem como a plenitude de seus
significados estavam fazendo com que as coisas que estes artistas
cantavam tivesse sentido.
Sofrimentos
verdadeiros, entregas absolutas, traições traumatizantes, o prazer
de um abraço dado na hora certa, o som do pôr-do-sol. Verdadeiras
amizades, solidões profundas, a inspiração que é parida na
madrugada, a profundidade e plenitude do amor. Feridas não
cicatrizadas. Querer "ter um milhão de amigos e mais forte
poder cantar", saber o que significa dizer que "sua
estupidez não te deixa ver que eu te amo".
Somente
gente adulta entende o que estas pessoas falam em suas músicas. A
profundidade prosaica das letras emolduram as vidas das pessoas, de
suas experiências. Os adultos sempre os ouvirão.
Eu
mesmo só fui entender o cerne, o sentido real do que eles queriam
dizer quando passei pelas experiências que eles descrevem nas
músicas que cantam. Cada experiência passou a ter trilha sonora.
Minha vida, a que se passa em minha mente tem trilha sonora por causa
de artistas como Roberto e Bethânia.
Música
para vividos. Coisa de gente grande. Profundidade cotidiana. Música
de realidade, música de homem e de mulher.
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